quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A arte de ouvir

Trabalho apresentado por Josias Sobrinho a Josenilde Cidreira Dorneles de Moraes, professora da disciplina Leitura e Produção Textual, do Curso de Música Licenciatura, da UEMA, para obtenção de nota referente à primeira avaliação.



“A Arte de ouvir”, da obra “Educação dos sentidos e mais”, de Rubem Alves.

Minhas primeiras impressões são expectativas de reencontrar os recursos empregados anteriormente, as mesmas características do primeiro texto lido, o forte apelo religioso cristão.

Arguto autor me aguça o interesse pela leitura por trazer à baila a audição, sentido com o qual tenho um estreito envolvimento por razões profissionais, ao longo de muitos anos, e, com o qual construí identidade e lealdade e as quais espero aprimorar com a prazerosa leitura que este autor é capaz de proporcionar.

À eleição da audição como o sentido para a aprendizagem de amor, do viver juntos e da cidadania soma-se a citação bíblica “no principio era o Verbo”, para comunicar que antes do verbo, há o silêncio, e, que o ouvir pressupõe fazer silêncio para que o outro possa ter significado, e existir.

Os poetas, seres de fala mínima, falam pouco para ouvir as vozes do silêncio, pois sabem que quem muito fala pouco ouve, quem pouco ouve pouco apreende do mundo, pelo ouvir.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro), falando a um poeta, diz:

Cessa teu canto!

Cessa, que, enquanto

O ouvi, ouvia

Uma outra voz

De minha atividade como músico profissional me vem a lembrança da Física Acústica. A emissão de um som gera uma sucessão de sons harmônicos consequentes em frequências multiplicadas que se perdem e propagam em escalas infinitas imperceptíveis ao ouvido não treinado.

Em minha fala comigo ou com o outro minhas vozes contrabalançam o todo que ouço. Estar ao lado exige que se diga algo, ao fazê-lo revelamo-nos se íntegros, se necessários. Muitas outras vezes só por conveniência nos expomos.

Outro aspecto que desperta interesse é a ilustração, através da linguagem cinematográfica, que antes, nos seus primórdios era mudo e quando se tornou falado, como no caso citado, a película Aconteceu em Tóquio, “duas velhinhas se visitam. Por horas ficam juntas, sem dizer uma única palavra. Faziam silêncio, não por não terem o que dizer, mas porque o que tinham a dizer não cabia em palavras”.

É no vazio que as coisas se colocam. É no silencio que o Verbo pode vir a ser.

Quando se refere à ausência do aprendizado do viver na escola tradicional, à professora que grita na sala ao lado, aos estupros verbais que propiciam a instituição de um ambiente de animosidades e violência contumaz, o autor contradiz a professora Clotilde, sua primeira mestra, que solidária aos seus pupilos ouvia impassível “os gritos esganiçados que vinham da sala ao lado”.

Em Milan Kundera, o todos gostam de Tamina, a garçonete, porque ela não interrompe a fala dos outros, parece que ela sabe ouvir mas, o comum das pessoas quando falam entre si é a interrupção do outro para falar de si, o combate incessante para a posse do ouvido do outro é mais ameno que relacionar grosseiramente mesmo que metafórico a um estupro intelectual, opressor, o ouvido do aluno penetrado pela fala fálica autoritária e senhorial do professor da escola tradicional.

E a melodia que se produz no ouvido do aluno vai se impregnando destes abusos assim projetados, seria o caso como ele diz, de haver curso de escutatória, em vez de oratória para domar políticos e executivos, afinal todos querem ser escutados.

Mais à frente pinça da revista italiana Cem Mondialitá, a sugestão de antes de começarem as atividades de ensino e aprendizagem os professores dessem ouvidos, por semanas, meses, às crianças, pois no silêncio delas moram os sonhos, verdadeiros programas de vida. É dos sonhos que nasce a inteligência, ferramenta para transformar sonhos em realidade.

Todos querem falar. As crianças também.

Novamente a idealização das crianças como seres perenes e suficientes.

No texto O que é ilustração, Kant sintetiza seu otimismo iluminista em relação à possibilidade de o homem seguir por sua própria razão, sem se deixar enganar pelas crenças, tradições e opiniões alheias. Nele, descreve o processo de ilustração como sendo "a saída do homem de sua menoridade", ou seja, um momento em que o ser humano, como uma criança que cresce e amadurece, se torna consciente da força e inteligência para fundamentar a sua própria maneira de agir, sem a doutrina ou tutela de outrem.

Por fim fala aos professores que ao lado da justa preocupação em falar claro, tenham também a preocupação de escutar claro

A pessoa que escuta bonito garante à que fala bonito regaço, colo e assento.


São Luis, 23/02/2011

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