PEC da cultura: financiamento e gestão
Sem dúvida o dia 23 de junho de 2015 foi um dia chave para o financiamento à cultura no Brasil. Primeiro pela aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados da admissibilidade constitucional da PEC 421/2014, também conhecida como PEC da Cultura. Segundo pelo importante debate na Comissão de Cultura na Câmara sobre o tema “As fontes de financiamento para a cultura: mecanismos atuais e possibilidades de ampliação de fontes de recursos”.
A aprovação da PEC 421/2014, texto substitutivo da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) com relatoria do deputado Rubens Pereira Junior (PCdoB-MA), busca reativar a eterna luta da cultura pela ampliação das verbas a nível federal. Originalmente proposta como PEC 150/2003, agora aprovada na CCJC, segue em sua tramitação no Congresso.
A PEC propõe a ampliação das porcentagens nos orçamentos de cultura de forma escalonada, alterando trechos dos artigos 216-A e 98 da Constituição, e prevê a aplicação do escalonamento num prazo de três a cinco anos. A nível federal, o piso do orçamento deverá chegar a 2%, nos estados a 1,5%, e nos municípios a 1%. Atualmente a verba de cultura federal está no patamar de 0,18%.
A atual estratégia de aprovação da PEC da Cultura é para que haja um apensamento das duas PECs, pois a PEC 150 já passou por todas as comissões do Congresso nesses 10 anos, agilizando assim a tramitação e levando a proposta para a votação diretamente na Plenária da Câmara. De acordo com informações do blog do Deputado Arthur Lira (PP- AL) presidente da CCJC, além da ampliação do orçamento, a PEC prevê que esse orçamento seja destinado “30% para os municípios e 20% para os estados e o DF. Também haverá um aumento gradual até que esses números sejam atingidos: 15% para os municípios e 10% para os estados e o DF no segundo ano; e 22% para os municípios e 15,5% para os estados e o DF no terceiro ano”.
A luta de mais de 12 anos da militância cultural pelos 2% deve ganhar força nas próximas semanas com essa aprovação de hoje. Porém é necessário pensar que não basta ampliar as verbas simplesmente. Não adianta termos mais verbas e executá-las de forma desorganizada e equivocada.
Além da aprovação da PEC na CCJC, a Comissão de Cultura esteve reunida durante toda a tarde para debater o tema do financiamento à cultura.
A ampliação do orçamento de cultura requer uma melhora significativa na organização e gestão de cultura. Não adianta aumentar a verba se a gestão é ruim, continua visando o incentivo fiscal e editais com poucos projetos contemplados que pouco distribuem. É preciso focar numa gestão que vise a efetiva ampliação do acesso, não apenas no MinC, mas principalmente na gestão de secretarias estaduais e municipais de cultura.
A mudança de perspectiva em programas, fomentos, projetos e novos marcos regulatórios da cultura é chave nesse momento em que o Sistema Nacional de Cultura (SNC) começa a mostrar sua arquitetônica concretamente. É essencial aprovar ainda esse ano, além da PEC da Cultura, também o PL 6722, a lei que cria o Procultura, que visa substituir a Rouanet e a regulamentação do SNC. Acelerar a aprovação desses três marcos legais pode ajudar na melhoria da gestão de cultura, incentivando novos investimentos em formação de gestores e novas tecnologias de gestão e participação social.
A questão da gestão da cultura é primordial neste momento se queremos pensar numa mudança de paradigma. São notórios os relatos de secretarias municipais (e estaduais) em que os cargos de confiança de políticos atrapalham os processos concretos de implantação de programas de cultura. Também existem casos de conselhos de cultura compostos por notáveis, quase que vitalícios, em que não há interesse algum em democratizar as verbas de cultura. Num país do tamanho do Brasil, com o tanto de burocracia que temos e com a corrupção endêmica, isso não deve ser esquecido jamais.
Outro grande problema é o contingenciamento. Nem sempre os gestores conseguem executar os orçamentos de cultura e fazer com que essas verbas sejam de fato aplicadas em programas e projetos (as pesquisas do Observatório de Cultura de Porto Alegre mostram bem isso). Mesmo em cidades onde as verbas de cultura são minúsculas e são destinadas apenas para festas regionais, nem sempre o orçamento anual de cultura consegue chegar ao final do ano inteiramente utilizado.
A deputada Jandira Feghali salientou bem que não é apenas a aprovação da PEC no legislativo que será difícil. Para ela, outra grande dificuldade será negociar com o executivo, a equipe econômica e comissões orçamentárias federais. Em 2015, tivemos cortes orçamentários por conta da crise e a cultura chegou a 35% de corte em relação ao exercício anterior. Pode-se dizer que não houve, nos quatro anos da gestão anterior da presidenta Dilma Rousseff, um real interesse em ampliar os investimentos em cultura. Basta ver os números dos últimos 12 anos. Na primeira gestão do ministro Juca Ferreira, ainda na Era Lula, o orçamento do MinC esteve por volta de 1,4%, mas caiu vertiginosamente a partir da entrada de Ana de Hollanda e chegou a 0,18% no fim da gestão Marta Suplicy.
A transversalidade da cultura também foi bem lembrada pelo deputado Leo de Brito (PT -AC), como possibilidade de otimização de verbas por meio de programas feitos em conjunto entre pastas ministeriais. Cultura com Ministério da Educação, cultura com Ministério da Saúde, cultura com Ministério do Desenvolvimento, entre outros. Além da divisão de verbas em programas que poderiam beneficiar esferas diferentes, o que otimizaria verbas federais em um momento de crise econômica.
Outro ponto central na discussão foi a desburocratização do setor cultural. É preciso pensar em novos modelos de gestão de verbas, flexibilizando a capilaridade orçamentária para o sucesso do SNC e assim conseguir fazer os repasses fundo a fundo de forma mais simples, transparente e barata. Com isso, mais municípios conseguem verbas. A deputada Erika Kokay (PT-DF) defendeu o uso de consórcios no lugar dos convênios via Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal (Siconv). Sabemos que o modelo precisa mudar, caso contrário o ralo da corrupção levará boa parte dessas verbas da cultura.
Os debates sobre as políticas culturais que têm acontecido por todo o país mostram que a maior preocupação de gestores, prefeitos e secretários de cultura que já estão implantando seus sistemas é de onde virão os recursos do Fundo Nacional de Cultura quando o SNC estiver operando a todo vapor. Em 2015, a verba destinada a esse Fundo é de apenas R$ 100 milhões e estão previstos editais do SNC para os entes federados no início do próximo semestre. O FNC teria de forma bem geral como fonte de verbas: o BNDES, o IR, o ICMS, as loterias, o Pré-sal, fundos constitucionais, etc. Porém isso não tem funcionado como deveria, pois há um problema sério de contingenciamento e as leis existentes que deveriam garantir os repasses para o FNC não são aplicadas. Além disso, o debate retomou outro ponto relevante de que os estados também devem “botar” dinheiro no Fundo. O papel dos estados nos Fundos e na gestão junto a municípios tem sido pouco destacado neste processo de implantação do SNC. É possível dizer que nem todos estão preparados ou querem fazer parte disso.
O desafio do MinC neste momento é preocupante. Pensar uma regulamentação do SNC sem saber se a PEC da Cultura ou o Procultura serão aprovados é uma dificuldade e tanto. E a militância da cultura tem uma grande missão em 2015: ajudar a aprovar os três marcos legais da cultura (PEC, Procultura e Regulamentação do SNC) num Congresso conservador e desinteressado. A tímida presença de deputados no debate desta terça-feira mostrou que a cultura continua à margem do legislativo. Mas a turma da cultura é boa em fazer barulho e dessa vez ele será muito necessário, caso contrário, esse grande plano de democratização da cultura brasileira pode morrer na praia.
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