segunda-feira, 16 de agosto de 2010

2011, uma odisseia cultural

Leonardo Brant | sábado, 14 agosto 2010

Época de eleição é sempre bom motivo para fazer um balanço sobre as políticas de cultura. E assim tem sido há pelo menos três eleições, sobretudo a memorável eleição de Lula para o primeiro mandato. Como forma de representar as demandas reunidas naquela época publicamos o manifesto “1% para a cultura”, que influenciou tanto os programas de governos de alguns presidenciáveis, quanto o primeiro momento da gestão Gilberto Gil.

Por conta do saudosismo e da vontade incessante de aprimorar a relação entre Estado, cultura, mercado e sociedade, sentimos a necessidade de retomar este debate. Fabio Maciel, presidente do Instituto Pensarte, Ricardo Albuquerque e Px Silveira, vice-presidentes, chegaram a mim no início deste ano, com uma provocação ainda mais interessante: discutir esses temas junto com todas as redes culturais, formada por artistas, articuladores, agentes e gestores de todo o país.

São reivindicações para todos os indivíduos, que pressupõem a ampla participação cidadã. Queremos mudar, antes de qualquer coisa, a nossa atitude em relação à cultura. E alcançar, a partir da ação conjunta, articulada, um novo patamar para a cultura na sociedade.

Partimos do cidadão para alcançar um Estado desejável, ciente da importância das políticas culturais para o desenvolvimento humano e sustentável. Rascunhamos 12 pontos interdependentes de valorização da agenda cultural, com objetivo de influenciar positiva e concreta e diretamente a vida de todos. E queremos discuti-los com você leitor, cidadão, partícipe dos movimentos e redes culturais do Brasil:

1. Memória. Cultivar a memória é um ato de cidadania. Conhecer o passado, a partir de diversos pontos de vista, é um direito de todos nós. E também um dever. O Estado deve valorizar todas as formas de preservação e memória, tornando-a viva e presente em nosso cotidiano, auxiliando na constituição de um novo mito fundador, pertencente ao conjunto da população brasileira.

2. Identidade. A identidade é um direito inerente ao cidadão. A ele cabe a autonomia e o livre arbítrio, necessários para cultivar e desenvolver a sua própria identidade, de acordo com os mais diversos elementos culturais produzidos pela humanidade. O Estado deve garantir acesso a todas as culturas e suas manifestações. E deve preservar os grupos culturais autóctones, promovendo sua cultura e protegendo-a dos efeitos da pós-modernidade.

3. Educação. Devemos encorajar as práticas culturais no processo de aprendizado e formação do indivíduo, reforçando tanto a dimensão cultural da educação quanto a função educativa da cultura. A escola é um espaço público, de natureza cultural, pertencente à comunidade. Apropriar-se desse espaço é direito e dever do cidadão e do Estado. A partir daí, devemos ressignificar o conceito de desenvolvimento, a partir dos aspectos culturais.

4. Cidadania. Participar da vida política da sociedade é um ato cultural. O Estado deve ser estimulador, garantidor e regulador dessa participação. Não basta ter direito à informação e à arte. É preciso garantir o multiprotagonismo e cidadania plena, com enfoque na cidadania cultural.

5. Diversidade. A celebração de outras culturas, olhares, crenças, modos de vida e realidades diferentes dos nossos é fundamental para o processo de formação do indivíduo, para a compreensão do mundo e a manutenção da paz. O cidadão deve buscar canais de informação alternativos e diversos. O Estado deve garantir a manutenção desses canais.

6. Diálogo. A verdade está escondida por trás dos processos de mediação social, sobretudo das indústrias culturais, como televisão, rádio, jornais, cinema e internet. Cabe ao cidadão a busca incessante da verdade. Ao Estado cabe garantir o controle social da informação e a regulação dos mercados de mídia, com o objetivo de garantir a constituição de um imaginário diverso e livre de domínios, controles privados e governamentais.

7. Infraestrutura. Devemos criar, ativar e promover espaços de convivência cultural. Escolas, bibliotecas, teatros, telecentros, centros culturais, praças públicas, são espaços coletivos de natureza cultural e devem ser ocupados pelo cidadão, geridos pelas comunidades, reconhecidos, estimulados e financiados pelo Estado.

8. Acesso. Devemos ter acesso irrestrito ao conhecimento produzido pela humanidade. Este aceso pode ser facilitado por cada um de nós e deve ser incentivado pelo Estado, sobretudo aos que detém dificuldades impostas pela condição econômica ou por dificuldade de locomoção ou acessibilidade.

9. Orçamento. O consumo responsável é arma essencial para o desenvolvimento sustentável. Consumir cultura é uma das maneiras de financiar o setor cultural. O Estado deve financiar quem faz cultura. Fomentar a pesquisa e as atividades de base, incentivar o empreendedorismo e dar crédito facilitado e barato para a indústria cultural. O PEC 150 é um avanço mínimo e urgente.

10. Mercado. O comportamento cultural das pessoas dita os rumos do mercado. O desenvolvimento do setor cultural é fator fundamental para a inserção de novos protagonistas no sistema econômico.

11. Arte. Arte é algo inerente a todos os cidadãos. Devemos encorajar a nós mesmos, nossos filhos, amigos e familiares a desenvolver atividades artísticas, desenvolvendo as mais diversas linguagens, técnicas e formas de expressão. O Estado deve financiar a pesquisa e o desenvolvimento da arte na sociedade.

12. Futuro. A atividade cultural é transformadora. Só a partir dela podemos alterar as rotas e caminhos individuais, de uma realidade social ou de toda uma civilização. Um futuro baseado na convivência pacífica e sustentabilidade depende da garantia dos direitos e liberdades culturais e de acesso econômico e cultural.

Transcrito do site Cultura e Mercado

domingo, 15 de agosto de 2010

Com a palavra: Celso Borges

IMAGEM DA PALAVRA
Apresenta
Celso Borges

Com a palavra: Laura Amélia Damous

IMAGEM DA PALAVRA
apresenta
Laura Amélia Damous

Com a palavra: Joãozinho Ribeiro

AVISO-PRÉVIO AO MINISTRO

(Joãozinho Ribeiro)

É quarta-feira, 11 de agosto, dia dos estudantes. Brasília amanheceu ensolarada, com previsão de níveis críticos para a umidade do ar. Atravesso a Ponte JK em direção a Esplanada dos Ministérios. Meu destino é o 4º andar, bloco B, gabinete do Ministro Juca Ferreira, onde serei mais tarde recebido pela diversidade dos sorrisos matinais das moças e rapazes que assessoram o titular da pasta federal da Cultura Brasileira. Com letras maiúsculas, sim senhor! Cultura hoje respeitada no mundo inteiro, e consolidada como questão central e estratégica no governo do Presidente Lula, sob a batuta magistral das gestões Gil e Juca; este último, eleito recentemente presidente do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO.

Aguardo a chamada na fila dos despachos, convicto de não poder regressar ao Maranhão sem passar pelo ritual dos agradecimentos, e pela prestação de contas da missão que me foi confiada; até pelo respeito ao espaço reservado em sua disputada agenda ministerial para concluir o rito administrativo.

Finalmente, a porta do gabinete se escancara e relembro o momento em que me foi formulado, pessoalmente pelo ministro Juca, o convite para integrar a sua equipe, em meados de 2009. Convite que acabou se transformando numa extensa novela, constituída de muitos capítulos, até obter a minha cessão funcional do Ministério da Fazenda para o Ministério da Cultura.

O sorriso baiano recheado de cordialidade ainda é o mesmo, e toda possibilidade do ambiente ser contaminado por alguma nesga sombria de tristeza é terminantemente rechaçada. Minhas primeiras palavras são apropriadas pelo clima de simpatia instaurado. Nestes termos, não consigo perder a espiritualidade, nem a piada: “Ministro, vim lhe apresentar o meu aviso-prévio”. Ele sorri prazerosamente, quebrando toda e qualquer barreira protocolar entre nós.

Já num ambiente mais descontraído, na presença de boa parte de sua assessoria, vamos entabulando uma conversa afiada sobre o meu retorno ao Maranhão, justificado pela situação eleitoral e pelo compromisso histórico que mantenho, acima de todas as coisas, com a transformação política e social do meu Estado, submetido até hoje, sob muitos aspectos, às práticas coronelistas do século passado.

Falamos sobre o bom momento que vive a política cultural do país, sobre os grandes temas que se encontram no centro da agenda dos debates e do papel estratégico da cultura no meio de tudo isso; do muito que ainda temos de conquistar para transformar a política cultural, nos Estados e Municípios, em política pública de estado e não somente de governos passageiros.

É a vez de o ministro tecer elogios e agradecimentos sobre a nossa atuação no Ministério da Cultura, através da colaboração solidária em muitas frentes de trabalho que tivemos a oportunidade e a honra de contribuir; com destaque para a coordenação executiva da II Conferência Nacional de Cultura, com os debates sobre a reforma da Lei Rouanet, com a formulação do projeto de Modernização da Lei do Direito Autoral, com as relações federativas entre a União, Estados e Municípios, com as ações do Programa Mais Cultura etc. Muita coisa para apenas dez meses de ativa presença no Ministério.

Faz questão de enaltecer a importância da nossa gestão à frente da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão, até hoje referência para a administração da cultura em muitos estados da República Federativa do Brasil. Afirma, com todas as letras, ter sido esse um dos fatores fundamentais que propiciaram a decisão de convidar-me para integrar a sua equipe no Ministério da Cultura e, mais recentemente, ter estendido o convite para ocupar a chefia do seu gabinete.

Manifesto, nesse momento, toda a minha gratidão e reverência a sua pessoa, por todos os embates que teve de travar na defesa intransigente da minha indicação para o cargo de Coordenador-Geral de Estratégias e Gestão de Ações da Secretaria de Articulação Institucional, a margem dos apadrinhamentos políticos e partidários, contrariando diretamente os interesses de setores oligárquicos da Província do Maranhão, que chegaram ao cúmulo de uma interpelação telefônica solicitando a minha cabeça.

É chegada a hora dos acenos e considerações finais. De cabeça erguida, assim como cheguei, saio do gabinete do ministro Juca que, cavalheirescamente, me acompanha até o corredor.

Já do lado de fora, encontro a figura simpática de outro grande artífice da minha convocação para o MinC, Alfredo Manevy, atual Secretário-Executivo do MinC. Abraçamo-nos efusivamente, como velhos irmãos, e o resto já é história e patrimônio das nossas humanidades.

Joãozinho Ribeiro
poeta/compositor

sábado, 14 de agosto de 2010

Meu Nome É Ceumar

14 de agosto de 2010
'Show-sarau' reitera a força do nome de Ceumar
Resenha de Show
Título: Meu Nome É Ceumar
Artista: Ceumar (em foto de Mauro Ferreira)
Participação: Jussara Silveira (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Sala Funarte Sidney Miller (RJ)
Data: 13 de agosto de 2010
Cotação: * * * *
"Tô sentindo uma boa vibração para uma sexta-feira 13", observou Ceumar, marota, logo no começo do show que a trouxe de volta aos palcos cariocas na noite de sexta-feira, 13 de agosto de 2010. De fato, o público que superlotou a Sala Funarte Sidney Miller - havia gente sentada no chão tamanha foi a procura por ingressos - emanou boas vibrações para a cantora mineira, que apresentou ao seus fiéis fãs cariocas o show Meu Nome É Ceumar. A energia positiva valorizou o show da cantora e compositora, projetada há dez anos com a edição de Dindinha (2000), disco produzido por Zeca Baleiro. Munida apenas de seu violão, de sua voz e de sua sensível musicalidade, a artista fez belo show-sarau - a definição foi dada em cena pela própria Ceumar - que foi crescendo em intensidade e beleza. Se a primeira música do roteiro (Reinvento, parceria da artista com Estrela Ruiz Leminski) até fez supor que a apresentação seria bem convencional, a última - Oração do Anjo (Ceumar e Mathilda Kóvak), número emocionante em que Ceumar canta sem microfone, tocando uma rabeca como sutil repentista enquanto caminha por entre o público - deixou bastante claro que o público estava ali diante de uma artista personalíssima e segura.
Falante, Ceumar desfiou em cena um rosário de pérolas colhidas entre os repertórios de seus quatro discos. "São músicas pessoais - feitas para filhos, amores, problemas e incêndios", conceituou. A música feita para o filho, aliás, Planeta Coração, não chega a impressionar. Já o tema feito pela compositora para sua genitora, Mãe, cativa de imediato sentimento que brota da letra urdida com poético jogo de palavras. Entre um e outro, Ceumar mostrou sua romântica bossa abolerada (Meio Bossa), caiu no samba em Feliz e Triste (Ceumar e Kléber Albuquerque), reviveu sucesso de Zeca Baleiro (Boi de Haxixe), cantou em registro melodioso parceria de Arnaldo Antunes e Luiz Tatit (O Seu Olhar), saudou em Parque da Paz a cidade de São Paulo - onde morou por 14 anos - e recebeu Jussara Silveira para participação especialíssima que começou em Avesso (música repetida no bis, com a convidada já fazendo troça de sua insegurança com a letra lida em cena), prosseguiu bacana em Oferenda (Itamar Assumpção) e culminou no Baião de Quatro Toques (José Miguel Wisnik e Luiz Tatit). As mineiras desgarradas - como Ceumar brincou - uniram suas bonitas vozes em harmonia.
Com delicadeza charmosa, a voz de Ceumar cai bem tanto em um samba como Jabuticaba Madura quanto em tema jocoso como Rãzinha Blues (Lony Rosa), número em que brinca com a voz - cuja extensão é posta à prova quando Ceumar escala notas altas ao fim de Gira de Meninos, parceria da cantora com Sérgio Pererê que incorpora citação de Raça (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976). Nessa parte, a cantora também apresenta delicioso samba amaxixado de Sinhô (1888 - 1930), Maldito Costume, tema de 1929 que Ceumar gravou no álbum Dindinha, cuja bela faixa-título aparece no bis ao lado de As Perigosas (Josias Sobrinho). Enfim, um show-sarau pautado por boa música e boas vibrações. No palco e na plateia. O nome de Ceumar merece mais atenção!!!!

sábado, 7 de agosto de 2010

JULHO ACABOU BONITO

Impressões desalinhadas sobre o projeto Conexões musicais, cuja segunda edição [31/7] uniu em show os talentos de Ceumar e Tássia Campos.

A porta do Teatro João do Vale demorou um pouco a abrir e eu imaginei qualquer probleminha. O tamanho da fila me surpreendeu. “São os pais dos guris que vêm ao Chez Moi”, brincou minha mulher – “não gosto de fila nem para receber dinheiro”, costumo dizer, e estranho os adolescentes, sucessivas sextas-feiras pagando aquele mico.

Fiquei em pé, como quem não quer nada, ali pelos arredores. Ao comprar meu ingresso, um espanhol, num razoável portunhol me pediu, por acaso, informações sobre o show. Quem era, o que cantava etc. Respondi a tudo com bastante entusiasmo e recomendações e ele desembolsou os R$ 25,00 para ver/ouvir Ceumar.

Sabia que a mineira tem público razoável em São Luís, mas fiquei positivamente surpreso. A província ludovicense não aguenta mais de um evento no mesmo dia e sábado passado (31/7) estavam na ilha Eric Donaldson, Capital Inicial, sei-lá-que-praga-do-forró e ainda a volta do Clube do Choro Recebe, com atrações locais, além de Geraldo Azevedo ter se apresentado no dia anterior.

Topei alguns conhecidos antes de adentrar o hall do teatro, identifiquei outros na plateia, completamente cheia. O projeto Conexões Musicais, da Musikália Produções de Gilberto Mineiro, marcaria, nesta edição, o encontro do talento mineiro – ora radicado na Holanda – de Ceumar com a, segundo o material de divulgação, “voz revelação da Ilha” Tássia Campos.

Em qualquer hipótese, era algo imperdível: para quem conhecia a ambas – caso deste blogueiro –, para quem conhecia uma delas ou para quem – caso do espanhol – nunca tinha ouvido falar de uma ou outra. Tássia Campos, amém, tem se dedicado mais à música. Gravando disco de estreia, aparece vez ou outra nos palcos ilheus. Arrebatou o público, logo na primeira música, acompanhada apenas pelo teclado de Rinaldi, em uma interpretação matadora para Mais simples (José Miguel Wisnik).

A escolha antecipava ao público: a moça não é fácil, o repertório, lógico, não seria óbvio. Na sequência João Simas (violão) entrou em cena e Tássia Campos passou ainda por Vitor Ramil (Viajei), Maurício Pacheco (Eu sou melhor que você) e Otto (Crua com direito ao “fudia” da letra original).

Uma gravação explicava o porquê do nome de Ceumar – Meu nome é o nome de seu novo disco, autoral, ao vivo, voz e violão – antes de ela subir ao palco. Íntima do público ludovicense, dona da situação, desfilou um repertório baseado no deste mais recente – e bonito e ousado – disco. Sempre conversando com a plateia que, outra surpresa minha, cantou direitinho todas as músicas. Aqui e acolá faixas de seus outros trabalhos, aqueles clássicos que não podem ficar de fora – Dindinha (Zeca Baleiro), O seu olhar (Arnaldo Antunes/ Paulo Tatit), entre outras – além de Bacurau pragueiro (Josias Sobrinho), música dele que ela não gravou. “Ainda”, como frisou.

O compositor maranhense, aliás, roubou a cena. Além da inédita – na voz dela – e de As ‘perigosa’ – cantada no bis com Tássia Campos e Ben Mendes (saxofone), seu benzinho, o marido holandês, que já havia aparecido em duas músicas durante o show –, ela ainda emendou Engenho de flores à Oração do anjo. Os poucos-mas-fieis leitores deste blogue que me perdoem: estava lá de fã, não de jornalista, daí alguns fatores fora de ordem – não alteram o produto – e omissões. A vantagem, se é que assim podemos dizer, é que deixei para beber somente depois do show.

Somadas as apresentações e os bises, Ceumar e Tássia Campos cantaram por quase duas horas. Apesar da farra-miúda-pós-espetáculo, cheguei em casa, já era agosto. Não haveria melhor trilha sonora para julho acabar.