quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A arte de ver

Trabalho apresentado por Josias Sobrinho a Josenilde Cidreira Dorneles de Moraes, professora da disciplina Leitura e Produção Textual, do Curso de Música Licenciatura, da UEMA, para obtenção de nota referente à primeira avaliação.



TEXTO: “A Arte de ver”, da obra “Educação dos sentidos e mais”, de Rubem Alves.

Ao iniciar a leitura do texto “A arte de ver”, de Rubem Alves, tive a clara impressão de que estava diante de um tratado sobre a forma como devemos olhar nosso entorno para extrairmos a mais precisa informação sobre o mundo e as coisas que nos cercam. Por experiência própria constato que um olhar desprovido das limitações que o cotidiano forja, na tentativa de tornar as coisas mais simples e resolvidas para nos, é, na realidade, uma acomodação malandra patrocinada pelo sentido de ver, que acaba nos privando do mágico encanto do que só pode ser visto na mirada minuciosa profunda. Nunca vemos além do nosso olhar habitual.

O texto não deixa por menos os seus propósitos, conquanto esta explanação se dá de uma forma extremamente inteligente, senão vejamos:

Em primeiro lugar, o autor utiliza recursos narrativos muito perspicazes que enriquem deveras seus argumentos como, por exemplo, começar com uma pessoa em um consultório médico suspeita de insanidade por descobrir numa cebola cortada detalhes que em momento algum anterior havia percebido. Aqui, a voz que se ouve, de inicio é a do narrador, que me descreve a cena em tom coloquial envolvente chamando para esta conversa a presença do poeta chileno Pablo Neruda, para nos ajudar a entender como os hábitos cotidianos guardam situações, verdades, pedaços da realidade que nos fogem do olhar descompromissado, ao escrever no poema “Ode à cebola”, do livro Odes elementares, “rosa de água com escamas de cristal”. E vem então o diagnóstico preciso: “Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver”.

Depois de descobrir a cebola cortada, por dentro, outros pedaços de seu cotidiano representados pelos tomates e pimentões, de realidades adormecidas afloram em universos maravilhosos repletos de informações e vida.

Em situações de alienação, o remédio é chamar os serviços de quem entende do riscado, o profissional da saúde acostumado a lidar com altos graus de distanciamento e perplexidade.

“Quem vê cara não vê coração”.

De cara o texto nos apresenta sutilmente as características de como deve ser um bom observador, que olhar devemos dirigir ao “mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo”, como disse o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, em seu “Poema de sete faces”.

Aí deu-se comigo um ‘insight’ e descobri as artimanhas do autor para tratar do assunto proposto pelo título. Suas formas de dizer, as abordagens do tema e como manter a atenção e o olhar do receptor voltado para seu objetivo.

A comparação dos olhos do ver com uma câmera fotográfica ou a física do olhar – o fora e o dentro – o mundo de ponta cabeça que precisa ser revelado, filtrado, reordenado pela razão é mais que adequada para o caso, e, vem pra roda o poeta inglês do século XIX, William Blake, “que enxergava o que muitos se negavam a ver: a pobreza, a injustiça social, a negatividade do poder da Igreja Anglicana e do estado” e nos fala que “a árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”, que outros olhares são possíveis, assim como no autor e seu modo de ver os ipês floridos se diferencia do olhar de uma sua vizinha, que só os vê com os olhos voltados para o lixão, para o esforço físico de vassourar as folhas deitadas ao solo, e conclui “seus olhos não vêem a beleza”.

Além das referentes utilizações do campo da literatura, como os já citados e mais Adélia Prado, que credita a Deus a perda da poesia ao olhar uma pedra; Carlos Drummond de Andrade, que não viu uma pedra, mas fez um poema; Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, que escreveu “não basta abrir a janela para ver os campos e o rio”; Vinícius de Moraes, no “Operário em construção”; E. E. Cummings, poeta americano, que escreveu “Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram...”; também a filosofia de Nietzsche a corroborar nos diz que a primeira tarefa da educação era ensinar a ver. Com o que concordamos, pois cremos que o ato de ver precisa ser aprendido através de uma educação para o olhar.

Bem, como não é bastante ter olhos sadios para ver as árvores e as flores que estão entranhadas nos campos e nos rios, para culminar, o autor, envereda pelo terreno do sagrado e do religioso começando pelo zenbudismo e sua busca da satori, uma iluminação que abre um “terceiro olho” e deságua no que parece ser sua orientação superior, a religiosidade cristã, sem antes passar por um apelo à libido, uma erotização do discurso, talvez desnecessária, senão reveladora, de “olhos que não gozam”. Isto sem comprometer gravemente a força de sua literatura e o oportuno de seu conhecimento que chegou a ser tocante para mim.

Uma última consideração que não posso deixar de expor fica por conta de uma certa carga de preconceito denotada ao tratar com os comuns, a exemplo da vizinha, do operário, dos discípulos e principalmente das crianças que aparecem como representantes de uma utópica republica de infantilidades. A criança que já não somos não é nem um arremedo do adulto que queríamos ser.

Ao final o narrador, falando diretamente aos que almejam, aos que se empenham em ser professores no futuro, a Nietzsche se funde e quer que o leitor lhe siga nessa jornada como verdadeiros paladinos em guerra à banalidade

Volta, relembra “o assombro” inicial, lembrando os assombros que crescem no desvão da banalidade e almeja partejar “olhos vagabundos”.

Os que seguem um guia precisam abrir os olhos para si, e ver como somos entranhados de mundo, de ação, de sabedoria, de realidades: operários em construção.

São Luis, 23/02/2011

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